segunda-feira, 28 de março de 2011

Vai saber...

Estou um pouco ausente do blog porque tenho feito algumas viagens com a banda. Mas no primeiro espaço que tenho corro para atualizar esse meio de comunicação que tem me dado tantas alegrias e amizades.

Depois desse meia-culpa segue uma pequena história para nos inspirar a semana e nos lembrar a diversidade do caminho. Boa semana a todos:



Um tradicional conto sufi

Há muitos anos, numa pobre aldeia chinesa, vivia um lavrador com seu filho. Seu único bem material, além da terra e da pequena casa de palha, era um cavalo que havia sido herdado de seu pai.

Um belo dia, o cavalo fugiu, deixando o homem sem o animal para lavrar a terra. Seus vizinhos – que o respeitavam muito por sua honestidade e diligência – vieram até sua casa para dizer o quanto lamentavam o ocorrido. Ele agradeceu a visita, mas perguntou:

- Como vocês podem saber que o que ocorreu foi uma desgraça na minha vida?

Alguém comentou baixinho com um amigo: “ele não quer aceitar a realidade, deixemos que pense o que quiser, desde que não se entristeça com o ocorrido”.

E os vizinhos foram embora, fingindo concordar com o que haviam escutado.

Uma semana depois, o cavalo retornou ao estábulo, mas não vinha sozinho; trazia uma bela égua como companhia. Ao saber disso, os habitantes da aldeia – alvoroçados, porque só agora entendiam a resposta que o homem lhes havia dado – retornaram à casa do lavrador, para cumprimenta-lo pela sua sorte. - você antes tinha apenas um cavalo, e agora possui dois. Parabéns! – disseram.
- Muito obrigado pela visita e pela solidariedade de vocês – respondeu o lavrador. – Mas como vocês podem saber que o que ocorreu é uma benção na minha vida?

Desconcertados, e achando que o homem estava ficando louco, os vizinhos foram embora, comentando no caminho “será que este homem não entende que Deus lhe enviou um presente?”

Passado um mês, o filho do lavrador resolveu domesticar a égua. Mas o animal saltou de maneira inesperada, e o rapaz caiu de mau jeito – quebrando uma perna.

Os vizinhos retornaram à casa do lavrador – levando presentes para o moço ferido. O prefeito da aldeia, solenemente, apresentou as condolências ao pai, dizendo que todos estavam muito tristes com o que tinha acontecido.

O homem agradeceu a visita e o carinho de todos. Mas perguntou:

- Como vocês podem saber se o que ocorreu foi uma desgraça na minha vida?

Esta frase deixou a todos estupefatos, pois ninguém pode ter a menor dúvida que um acidente com um filho é uma verdadeira tragédia. Ao saírem da casa do lavrador, diziam uns aos outros: “o homem enlouqueceu mesmo; seu único filho pode ficar coxo para sempre, e ele ainda tem dúvidas se o que ocorreu é uma desgraça”.

Alguns meses transcorreram, e o Japão declarou guerra contra a China. Os emissários do imperador percorreram todo o país, em busca de jovens saudáveis para serem enviados à frente de batalha. Ao chegarem na aldeia, recrutaram todos os rapazes, exceto o filho do lavrador, que estava com uma perna quebrada.

Nenhum dos rapazes retornou vivo. O filho se recuperou, os dois animais deram crias que foram vendidas e rederam um bom dinheiro. O lavrador passou a visitar seus vizinhos para consola-los e ajuda-los – já que tinham se mostrado solidários com ele em todos os momentos. Sempre que algum deles se queixava, o lavrador dizia: “como sabe se isso é uma desgraça?” Se alguém se alegrava muito, ele perguntava: “Como sabe se isso é uma benção?” E os homens daquela aldeia entenderam que, além das aparências, a vida tem outros significados.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Arte, vazio e Wagner Moura

Ontem eu li a entrevista da revista Bravo com o ator Wagner Moura e fiquei radiante. Não por ser fã ou algo do tipo do ator (até sou um pouco), mas por enfim ver um artista discorrer sobre o ofício com propriedade.

Com a abertura escancarada dos portões do paraíso midiático, minha geração se apegou ao microfone, agarrou o danado com as duas mãos e desembestou a falar, tornando falar mais importante do que "o que" falar. Aí surgiram cabelos diferentes, óculos, trejeitos, roupas, corpo, gritos, bundas e todas as coisas do tipo munidas de opiniões vazias sem esmero algum. Um caminho bastante lógico e justificável, afinal, se o conteúdo não era mais analisado era preciso se tornar esteticamente interessante.

Esse momento parece que terá um fim, ou pelo menos, será menos arbitrário.

Não faço aqui um julgamento, longe de mim. Acho inclusive que esse movimento foi e é bastante natural. Em toda abertura exageramos um pouquinho para depois encontrar um ponto de equilíbrio.

Para mim, encontrar em uma importante revista nacional uma entrevista com uma das maiores celebridades atual demonstrando tanto conteúdo e integridade artística é encher-me de esperança e alegria. Segue um pequeno trecho:


Mesmo com participações pequenas com uma ou duas falas, ele fazia um estudo psicológico intenso, traçando tudo o que os personagens tinham vivido até o momento em que apareciam em cena: "Se meu personagem dizia: 'Esta festa está ótima', eu construía a história do personagem até o dia em que ele chegou àquela festa e disse aquela frase", diz.


Assim foi com Romão, protagonista do filme O caminho das nuvens (2003). Para viver o papel, não bastava saber que seria pai de cinco filhos, casado, desempregado, com orgulho e teimosia... Wagner refez toda sua trajetória, imaginando onde ele tinha nascido, como era a casa em que vivia e por quais situações havia passado até chegar onde estava. Ao fim do processo, Wagner se surpreendeu com a frase que encerrava seu escritos: "Romão é você". Recentemente, ao revisitar os rascunhos dos vários personagens, ele descobriu a mesma frase ao fim de cada caderno onde escreve a biografia deles: "Taoca é você", "Zico é você"...




O artista está conectado à poesia da obra que cria ou executa. A intensidade, entrega e conexão com todo o processo artístico é o que faz pulsar e dar cor real ao palco. Que muitos Wagner Moura apareçam... no teatro, no cinema, na música, nos livros, nas telas, nos palcos.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Quando evitamos tomar uma atitude

Um pequeno texto para nos inspirar a semana que começa. Boa semana a todos:


O sapo e a água quente

Vários estudos biológicos demonstram que um sapo colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa, fica estático durante todo o tempo em que aquecemos a água, mesmo que ela ferva. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudanças de ambiente) e morre quando a água ferve.
Inchado e feliz.

Por outro lado, outro sapo que seja jogado nesse recipiente com a água já fervendo, salta imediatamente para fora. Meio chamuscado, porém vivo!

Às vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças. Achamos que está tudo muito bom, ou que o que está mal vai passar - é só questão de tempo. Estamos prestes a morrer, mas ficamos boiando, estáveis e apáticos, na água que se aquece a cada minuto. Acabamos morrendo, inchadinhos e felizes, sem termos percebido as mudanças à nossa volta.

É melhor sair meio chamuscado de uma situação, mas vivos e prontos para agir, do que morrer apático por medo de tomar uma atitude enérgica.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Na brasa

Acaba de estrear na MTV o programa NA BRASA estrelado pelo músico produtor pernambucano China. Um programa que coloca vida na programação musical da TV brasileira.

Um programa que pulsa, que tem rosto, sotaque, que é fogo, que tem visão e o mais importante, tem duas orelhas que funcionam.

Um programa intenso, que não mede a cor da calça, o corte do cabelo, o rosto bonito. Um programa que só mede música.

E a frente dessa bela novidade um apresentador digno dessa fogueira que merece largos elogios não apenas porque carrega em si diversas qualidades artísticas e pessoais mas porque carrega em si uma galera imensa. Como disse o amigo Junior Black: "Verdade seja dita e louvada: em meia hora China fez mais por Pernambuco do que a Empetur no Carnaval inteiro este ano".



E eu ainda amplio tal citação e digo que ele fez mais por Pernambuco do que muita gente em uma vida.

China possui a maior qualidade de um líder, de um representante: é um agregador nato, um abraço ambulante. Um artista que deixa claro o que é e o que tem.

E assim fecho esse post babação e propaganda direta dizendo que o programa passa todos os dias na MTV as 20:30. Assistam, vale a pena.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Começo de semana

Um texto leve para nos inspirar a semana. Boa semana a todos:



A cidade do outro lado

Um eremita do mosteiro de Sceta se aproximou do Abade Teodoro:

- Sei exatamente qual o objetivo da vida. Sei o que Deus pede ao homem, e conheço a melhor maneira de servi-Lo. E, mesmo assim, sou incapaz de fazer aquilo tudo que devia estar fazendo para servir ao Senhor.

O abade Teodoro ficou um longo tempo em silencio. Finalmente disse:

- Você sabe que existe uma cidade do outro lado do oceano. Mas ainda não encontrou o navio, não colocou sua bagagem a bordo, e não cruzou o mar. Por que ficar comentando como ela é, ou como devemos caminhar por suas ruas?

“Saber o objetivo da vida, ou conhecer a melhor maneira de servir ao Senhor, não basta. Coloque em prática o que você está pensando, e o caminho se mostrará por si mesmo”.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Gostinho de novo

Bem, o carnaval passou. Quer dizer, ainda está passando porque a ressaca guarda o gosto do danado. Mas ficou para trás.

E assim abriu a porta para um novo ano, afinal, no Brasil tudo começa por essas datas mesmo.

E com esse gostinho de novo resolvi postar algo novo. Talvez nem tão novo, mas novidade.

Sibarita:
"Deus, pensei, estou aqui metido neste mundo que até então procurei evitar com tanto cuidado, neste mundo tão desprezível de boêmios e gente sibarita..."

Açulado:
"Lêem de manhã e a noite coisas escritas neste tom, são trabalhados permanentemente, incitados, açulados..."

Tonitruante:
"...se atribuíra um prodigioso papel de idealista e desprezador do mundo, de melancólico solitário e profeta tonitruante..."

Talvez essas palavras não sejam de verdade novidade para todos, mas são para mim. E é sempre bom algo diferente, novo, mesmo que não seja lá a coisa mais bela do mundo. Costumo ao ler um livro anotar as palavras que desconheço. Essas por exemplo vieram do livro "O lobo da estepe" de Hermann Hesse que estou lendo agora. Seguem os seus significados que preferi colocar depois para deixar o desconhecido um pouco mais demorado.

Sibarita: que ou quem é dado a vida de prazeres.
Açular: incitar (o cão) a morder, estimular.
Tonitruante: que troveja, atroador, estrondoso.

sexta-feira, 4 de março de 2011

A troça carnaval

Então pronto chegou o carnaval. Fazer o que, né? Colocar uma fantasia na roupa ou no peito e sair por aí sem ter nem pra que saí por aí como quem sai de si.

Frevo de bloco, frevo, marchinhas, músicas perdidas. O frevo ferve e ferve a gente e a gente em embulição se transforma se reconfigura e muda de cor.

Vez por outra esses foliões entram em pânico não pela nova roupagem mas pela obrigação do retono, pois bem, não retornem. Incorporemos essas belas mascaras e deixemos que os sorrisos frouxos invadam o dia normal e seja lá dentro sempre um carnaval ininterrupto.

É carnaval e é carne. Mas ninguém vive só de ar, não é mesmo? Que seja terra então.

Vamos atrás da troça pessoal, a troça não tem líderes não tem sentido nem seguem estrada. A troça segue a marcha musical, andando ou parada a troça caminha eternamente.

Vamos seguir a troça como seguimos o sol.

E risos e mais risos. Como sabemos rir no carnaval.

Tem coisa melhor do que seguir o sol risonho que nos ferve colorido e transforma em belas fantasias?

Boa festa a todos. E para quem não está em Recife, que pena.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sobre composição de letras - parte 3

Essa é a terceira parte de uma descrição da forma como componho letras de música, letras para melodias previamente prontas. Nas duas primeiras partes, falei sobre escavar o sentimento da canção e com ele construir uma história. Com o sentimento e a história vamos para a terceira parte, e uma das mais divertidas, a forma.

Pessoas diferentes contam a mesma história de forma diferente. Existem milhares de jeitos de dizer a mesma coisa. Ao estar com a faca e o queijo na mão, o letrista precisa definir o corte: como vai dizer o que pretende dizer.

Compositores que considero pobres ou, melhor ainda, preguiçosos, se apressam a dizer o que querem de qualquer jeito, sem criatividade ou força estética. Considero esse modelo de composição como uma "Canção legenda":

- O cara vai falar sobre um homem abandonado pela mulher: "Fui abandonado pela minha mulher".
- Vai falar sobre a saudade que um filho tem da mãe: "Mãe que saudade de você".
- Sobre uma separação difícil: "Essa separação é difícil".
- Sobre a vontade de sair com os amigos e tomar uma cerveja: "Quero sair com os amigos e tomar uma cerveja".

Ou seja, uma legenda somente, sem poesia, sem riqueza, sem arte. É uma opção, claro, mas particularmente não gosto nem me identifico.

Nesse momento da composição podemos fazer de tudo um pouco. Buscar uma imagem, um desenho, contar de trás pra frente, de frente pra trás, do meio para os lados. Podemos colocar uma terceira pessoa que conta a história só observando, podemos colocar os personagens narrando cada um uma parte. Podemos usar só substantivos, ou somente verbos, ou adjetivos, ou verbos e adjetivos, ou substantivos e verbos, ou tudo junto. Podemos falar diretamente com o ouvinte, ou fingir que ele não existe. Podemos transparecer a dúvida do personagem no texto e na canção sem que nem ele perceba, ou sua raiva, ou sua hipocrisia.

São inúmeras as opções e é bem legal ficarmos testando, invertendo, fazendo de tudo um pouco com a letra até que nos satisfaça.

Eu costumo nesse instante ouvir compositores que admiro, músicas que venero e prestar atenção ao modelo que optaram. Gosto também de tentar imaginar outras formas para elas e perceber o quanto o caminho escolhido é mais rico.

Temos grandes exemplos de riqueza na estrutura:

- Chico Buarque falando sobre a saudade de uma mãe por um filho: "A saudade dói como um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais".
- Cordel do fogo encantado falando sobre os trovões de uma forte chuva: "Zabumba zunindo no colo de Deus".
- Lula Queiroga falando que tudo tem um outro ponto de vista: "Enquanto o gelo derrete a água tá subindo".
- Caetano dizendo "eu te amo" durante toda uma canção: "Você é meu caminho meu vinho meu vício...(e por aí vai).
- E Bob Dylan dizendo que todos já sabem da resposta: "A resposta meu amigo está soprando pelo vento".

Ou seja,  você tem muitas opções, e, para quem gosta de escrever como eu, esse é um imenso parque de diversões gratuito.

Se divirta, ouse, invente, destrua, reinvente, tenha paciência e tente de novo.