quarta-feira, 2 de março de 2011

Sobre composição de letras - parte 3

Essa é a terceira parte de uma descrição da forma como componho letras de música, letras para melodias previamente prontas. Nas duas primeiras partes, falei sobre escavar o sentimento da canção e com ele construir uma história. Com o sentimento e a história vamos para a terceira parte, e uma das mais divertidas, a forma.

Pessoas diferentes contam a mesma história de forma diferente. Existem milhares de jeitos de dizer a mesma coisa. Ao estar com a faca e o queijo na mão, o letrista precisa definir o corte: como vai dizer o que pretende dizer.

Compositores que considero pobres ou, melhor ainda, preguiçosos, se apressam a dizer o que querem de qualquer jeito, sem criatividade ou força estética. Considero esse modelo de composição como uma "Canção legenda":

- O cara vai falar sobre um homem abandonado pela mulher: "Fui abandonado pela minha mulher".
- Vai falar sobre a saudade que um filho tem da mãe: "Mãe que saudade de você".
- Sobre uma separação difícil: "Essa separação é difícil".
- Sobre a vontade de sair com os amigos e tomar uma cerveja: "Quero sair com os amigos e tomar uma cerveja".

Ou seja, uma legenda somente, sem poesia, sem riqueza, sem arte. É uma opção, claro, mas particularmente não gosto nem me identifico.

Nesse momento da composição podemos fazer de tudo um pouco. Buscar uma imagem, um desenho, contar de trás pra frente, de frente pra trás, do meio para os lados. Podemos colocar uma terceira pessoa que conta a história só observando, podemos colocar os personagens narrando cada um uma parte. Podemos usar só substantivos, ou somente verbos, ou adjetivos, ou verbos e adjetivos, ou substantivos e verbos, ou tudo junto. Podemos falar diretamente com o ouvinte, ou fingir que ele não existe. Podemos transparecer a dúvida do personagem no texto e na canção sem que nem ele perceba, ou sua raiva, ou sua hipocrisia.

São inúmeras as opções e é bem legal ficarmos testando, invertendo, fazendo de tudo um pouco com a letra até que nos satisfaça.

Eu costumo nesse instante ouvir compositores que admiro, músicas que venero e prestar atenção ao modelo que optaram. Gosto também de tentar imaginar outras formas para elas e perceber o quanto o caminho escolhido é mais rico.

Temos grandes exemplos de riqueza na estrutura:

- Chico Buarque falando sobre a saudade de uma mãe por um filho: "A saudade dói como um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais".
- Cordel do fogo encantado falando sobre os trovões de uma forte chuva: "Zabumba zunindo no colo de Deus".
- Lula Queiroga falando que tudo tem um outro ponto de vista: "Enquanto o gelo derrete a água tá subindo".
- Caetano dizendo "eu te amo" durante toda uma canção: "Você é meu caminho meu vinho meu vício...(e por aí vai).
- E Bob Dylan dizendo que todos já sabem da resposta: "A resposta meu amigo está soprando pelo vento".

Ou seja,  você tem muitas opções, e, para quem gosta de escrever como eu, esse é um imenso parque de diversões gratuito.

Se divirta, ouse, invente, destrua, reinvente, tenha paciência e tente de novo.

6 comentários:

  1. Enquanto navego em informações diversas, minha'lma por um instante enebria-se de deleites poéticos (e estou querendo dizer quão produtivos são seus textos pra nós..rs...(aprendendo!)

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  2. Eita Alessandra, que lindo. Obrigado viu? Olha aí um ótimo exemplo poético.

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  3. Puxa, agora fiquei até com vergonha das coisas q escrevo... vixe... espero q vc ñ tenha lido o texto do meu blog... rs... é frustrante concordar com vc dessa vez... rs... de fato, td oq vc falou sobre essa tal construção da poesia, música... enfim, da arte... Por iss ouço suas músicas e venho sempre aqui... rs...

    P.S.: se vc ñ leu o texto q lhe falei... ñ perca seu tempo.. rs...

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  4. Oxe Mag, eu li sim...e relaxa um pouco.
    Olha, para mim o princípio básico da arte é a sinceridade e o desprendimento. Depois disso vem a técnica. Parabéns pelo seu blog

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  5. Recolho-me ao direito de dizer que fico encantada quando leio teus textos. E fim.

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  6. Eia a série que mais gosto de ler: teus processos de criação!
    Me encantas, moço =)

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