quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Apanhador de desperdícios

Hoje em dia tenho uma identificação larga com a poesia de Manoel de Barros. Recentemente li o livro "Memórias inventadas: A Infância", e gostei tanto que fiquei lendo devagarinho, como fazia quando ganhava na infância um chocolate de mainha e tentava prolongar ao máximo o tempo com aquela gostosura. A poesia de Manoel é uma gostosura.

Copiei uma para vocês, bom proveito:



Apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito as coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
amo os restos
como as boas moscas.
Queria que minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

3 comentários:

  1. ...raspas e restos me interessam...como dizia Cazuza.
    Parabéns, muito boa a poesia!

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  2. Obrigada pela partilha!

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  3. Você é lindo, mais que demais, vocé é lindo sim...

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